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terça-feira, 19 de agosto de 2014

Vou partir por aí...

Vou partir por aí...vou procurar o meu corpo que foi sem alma e sem mim...recolher os destroços que ficaram espalhados pelos becos da escuridão...no ventre da noite onde estendo as minhas mãos tentando prender o infínito entre os dedos dormentes da vida...num instante de tempo onde sou eu...génese de um momento não acontecido onde o tempo não existe e os sonhos da poeta ficaram perdidos num horizonte distante...num gesto de abandono das memórias congeladas por dentro de mim...na bruma de uma noite sem luz...num beco sem saída.
Vou partir por aí...pelos lugares que não existem...nas ilusões que persistem...no tempo que deixou de ser tempo e onde os espelhos são lugares intangíveis no fundo de mim...abismos de silêncio onde me afundo...no regaço da terra...horizonte longínquo onde tardo em chegar.
Vou partir por aí bebendo silêncios na solidão dos muros...no fogo extinto de noites de sol...no lago sombrio da minha memória...na morada incerta do meu corpo onde apenas a minha sombra me segue...só minha sombra.
Vou partir por aí...para um lugar onde não exista tempo e mergulhar num caminho sem regresso como se fosse o último instante entre o aqui e o além...alma e corpo em algum lugar longe de mim...no fim de tudo...no princípio de nada.
Vou partir por aí...vestida de amargura com a alma em ferida e o corpo em chaga procurando um lugar onde por um instante encontre uma manhã luminosa no fundo das sombras...nesta beira caminho por onde me arrasto até à hora do regresso para lá do azul que vai partindo dos meus olhos num silêncio crepuscular...ténue luz que ilumina a minha sombra sentada sobre as pedras da memória e vestida com o tenebroso véu do esquecimento e vagueando por caminhos que nunca me levaram ao fundo de mim.
Vou partir por aí...pelos lugares desabitados do meu ser...procurando uma estrada que me leve ao infinito para um tempo que deixou de ser meu...numa morada de silêncio onde não me encontro...no árido labirinto que vou percorrendo no vazio inabitável de lugar nenhum e onde vou enfim deixar repousar o meu corpo e aceitar a noite sem retorno...a plenitude da paz eterna.